sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A lamentável história dos namorados


A LAMENTÁVEL HISTÓRIA DOS NAMORADOS


Namorados, namorados,

não vos vejo mais alados,

sublimes, alcandoradosnos

miríficos estados

de êxtases multiplicados

em horizontes dourados

de mundos ensolarados.

Estais casmurros, calados

entre carinhos cansados

e sonhos desanimados.

Que vos sucede, coitados?

Acaso foram arquivados

os projetos encantados,

alvo de finos cuidados,

pelos dois armazenados?

Onde os férvidos agrados,

os toques maravilhados

de vossos dias passados?

Namorados, namorados,

deixai-nos desarvorados!


Diviso em vossos semblantes

sombras, traços inquietantes,

diversos dos crepitantes,

abertos e fulgurantes

sinais festivos de antes.

Já não sois doces amantes,

não carregais, exultantes,

o suave peso de instantes

que pareciam diamantes

nos volteios elegantes

dos jogos inebriantes

e nos beijos delirantes

quando adultos são infantes

buscando refrigerantes

que em vez de serem calmantes

inda são mais excitantes.

Já não sois os bandeirantes

de descobertos faiscantes.

Diviso em vossos semblantes

amarguras humilhantes.


Chegou-me a resposta no ar,

após muito meditar

e livros mil consultar:

A inflação tentacular,

com guantes de arrebentar,

ferrou-vos na jugular.

Vosso anseio de morarem casinha

à beira-marou qualquer outro lugar

desfez-se no limiar.

A recessão de lascarnem

vos deixa respirar,e de empregos,

neste andar,quem mais ousa cogitar?

Um pacote singular

de rigidez tumular

desaba no patamar

da pretensão de casar.

Chegou-me a resposta no ar:

não dá mais pra namorar.


( Carlos Drummond de Andrade )

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