domingo, 8 de fevereiro de 2015

Sobre ter nascido mulher

Quando ainda no ultrassom houve a indicação que a criança ali dentro era uma menina, tenho certeza que muita coisa mudou. Muitos medos diferentes apareceram para aqueles que iriam me criar, mas eu não tinha a minima ideia das consequências que um segundo cromossomo X trariam.

O fato é que nasci mulher. Nasci condicionada a ser alguém que talvez eu não quisesse ser. Alguém que talvez carregasse fardos de preconceitos desnecessários. Nasci com uma boa dose de exagero e uma dificuldade gigantesca em expor opiniões falando. É escrevendo que eu encontro todas as mulheres dentro de mim.

Tem uma mulher que se esconde por que morre de medo de todas as coisas. Do futuro, das pessoas, de mágoas e do noticiário. Essa mulher medrosa se apavora com relatos de pessoas, se apavora quando desiste, se apavora quando não tenta. Essa mulher vive com medo de usar shorts ou batom vermelho na rua. Morre de medo de fatalidades. A claustrofobia dela não é nada perto de todos os medos, sendo eles bobos ou realistas. Essa mulher não deveria existir dentro de mim, ela é fruto de todos os preconceitos e fraquezas impostas ao "elo mais frágil da sociedade". Sou uma assassina: tenho a matado um pouco por dia, um preconceito por vez. Tenho deixado todas as cicatrizes no passado. É o único meio de sair da inércia pra encontrar todas as outras mulheres que existem em mim.

Tem uma mulher que sabe que não pode se dar ao luxo de ser fraca. Que quer muito ser uma profissional bem sucedida. Só por que sou mulher não posso buscar ser alguém no mundo?! Posso sim, minha mãe me dizia que eu poderia desde quando eu era muito pequena. Tenho certeza de que, se ela tivesse tido oportunidades seria uma profissional implacável, dessas que amam o que fazem. Mas ela foi mãe. Dentro de mim vive o desejo dela (e de todas as mulheres incrivelmente fortes da minha família), que aparentemente herdei geneticamente, de fazer alguma coisa por esse mundo. De ser alguém na vida. De demorar muito a desistir de algo. De saber que, muitas vezes, quando a gente está prestes a desistir é que as coisas todas acontecem. As mulheres frágeis que me perdoem, mas a Força sempre esteve nos nossos genes - andei surtada assistindo Star Wars nas fériasDesde as gerações que posso lembrar, as mulheres que fazem parte da minha "linhagem" não desistem. A cada dia essa mulher fica mais forte em mim, mais necessária. Comecei uma jornada em meio à fraqueza, tenho me fortalecido desde então. Essa jornada não acaba tão cedo e estou muito feliz por isso. Queria que mais mulheres tivessem a oportunidade de trilhar esse caminho... tão sofrido, tão fortalecedor, tão sublime.

Tem uma menina que, apesar dos anos todos, ainda mora dentro de mim. A menina que ri depois do joelho ralado, que ainda chora vendo filmes, que ainda tenta amar como criança. Ela enxerga encanto pelas ruas, fica enlouquecida com paisagens exóticas e fica com o coração cheio de alegria ao ouvir histórias de vida. Sobretudo adora cheiro de lavanda e doces da infância. Perdoa num segundo, não gosta de viver sob o peso das mágoas passadas. Acredito que ela não vai embora tão cedo. Espero que ela me acompanhe sempre, até quando os fios de cabelos brancos aumentarem bastante...

A última mulher tem fé. Ela simplesmente acredita. Ela deixou todas as outras mulheres aos pés daquela velha cruz e tenta todos os dias viver sob sua sombra. Se arrepende com frequência, erra com frequência. Perde inúmeras batalhas mas nunca deixou de amar Aquele que pode sentir quando está em desespero ou em alegria extrema. Sabe que seus erros já não mais pesam sobre seus ombros e que já não há condenação que pese sobre sua alma. Sabe, sobre todas as coisas, que sua vida não é sua para que a desperdice: tem certeza que é forasteira nesse mundo. Seu lar não é aqui, mas tenta com todas as forças viver da melhor maneira possível.

Talvez ainda existam muitas outras mulheres que serei durante meus dias nesse mundo, mas hoje todas essas caminham comigo. De maneiras diferentes, constroem minha identidade e são muito mais expressivas que o tal cromossomo X...

Um comentário:

  1. Bruna estou admirado. Vc é uma das poucas pessoas que valeu a pena conhecer. PARABÉNS. GUSTAVO BARBOSA

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