quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O desafio da ética - Frei Beto (trechos)





Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. (...) Não adianta ser um super-executivo se não consegue relacionar-se com as pessoas. (...)




Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação ao espírito. Acho ótimo, todos vamos morrer esbeltos:
- Como estava o defunto?
- Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!

Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?


Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega Aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra!

Entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais...


Cultura é o refinamento do espírito.


Televisão no Brasil - com raras e honrosas exceções - é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra de hoje é "entretenimento"; domingo então, é o dia nacional da imbecialização coletiva. (...)


Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: "Se tomar esse refrigerante, usar esse tênis, usar essa camisa, comprar esse carro, você chega lá!" O problema é que, em geral, não se chega! (...)

O grande desafio é gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista.

Assim, pode-se viver melhor. (...)

É curioso: a maioria dos shoppings tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se algo paradisíaco: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumos, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus, como os que outrora foram convencidos a comprar a própria absolvição. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...
Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald's.

Nenhum comentário:

Postar um comentário