domingo, 2 de novembro de 2014

Sobre miséria, pequenas alegrias e histórias de humanidade

Tempos difíceis trazem horas intermináveis e pesos insuportáveis. Felizmente nada dura pra sempre e, roubando uma frase perdida da internet, acho que a vida não é sobre esperar tempestades passarem, mas sobre aprender a dançar na chuva. Sempre que os raios cortam meu coração em milhões de pedaços, as pequenas coisas me fazem dançar enquanto estou no olho do furacão.  Aquela risada frouxa do seu amigo meio trouxa, aquele picolé numa tarde quente, aquela criança correndo livre na praça. Uma conversa agradável antes de dormir, um almoço com gente amada, uma piadinha no meio da aula chata, um "boa viagem" do motorista do ônibus, um "bom dia" do vizinho ou do professor. Pequenas coisas que trazem alegria. Pequenas coisas que me fazem ainda acreditar que existe bondade no coração das pessoas. Tem gente que não tem mais sensibilidade pra perceber, que não treinou os olhos pra procurar onde está Deus no meio da tempestade, que esqueceu como ser grato.

Uma das coisas que mais me chateou durante essa semana não está relacionada as minhas provas, nem a minha falta de tempo e de sono. Foi a frase de um morador de rua na rodoviária. Enquanto ele me pedia dinheiro para comprar comida, me contava que os funcionários do restaurante próximo preferiam jogar a comida no lixo a fazerem uma marmita para ele e para a mulher. A verdade? É lógico que eu não sei, não o conheço e não sei se o pouco dinheiro que lhe dei foi realmente para que comprasse algo para comer. Mas eu nunca passei fome. Nunca dormi na rua. Nunca me senti invisível da maneira como aquele homem é capaz de se sentir aos olhos de uma sociedade insensível. Quando estava indo embora do guichê com minhas passagens ele me agradeceu de novo e desejou boa viagem. Aquelas palavras ecoaram na minha cabeça depois de um dia extremamente tumultuado. Quantas pessoas como aquele homem eu já ignorei em minha vida? Quantas pessoas como ele morrem todos os dias sem que ninguém chore por eles, sem que ninguém sinta saudades? Como é possível que alguém com uma história provavelmente muito difícil, cheia de sofrimento ainda é capaz de ser gentil? Se você não enxerga um ser humano ali, sentado na calçada precisando de ajuda, sua humanidade já foi perdida há muito tempo. Se você acha que ele pode sair dali por conta própria é por que nunca presenciou alguém que se encontrava em desespero, no mais fundo dos abismos cujo maior desejo era encontrar uma mão para poder se apoiar na subida de volta à superfície. Não me refiro apenas a aquele homem; ele é apenas mais um de tantos outros que não tiveram a mesma sorte que você. Ainda que você precise lutar para conseguir conquistar seus sonhos, há comida em sua barriga, um chuveiro limpinho e uma cama confortável em sua casa.

A maior miséria que pode atingir um ser humano é a ausência de gratidão. Quem não consegue ser grato pelas coisas que acontecem, sejam elas boas ou ruins, não consegue ser feliz e faz com que todos ao seu redor se tornem miseráveis. Quem não sabe ser grato vive mendigando atenção, vive sob a falta constante de amor ao próximo, vive de mesquinhez. Tem uma venda nos olhos que o impede de enxergar as pequenas coisas que trazem alegria.

Outra situação que passei e mas me trouxe imensa alegria, quase como quando eu mesma passei no vestibular, foi a história de um rapaz que passou pelas salas da Federal alguns dias atrás. Ele era de Pernambuco e tinha vindo com a mãe e o padrasto para São Paulo, estudado por supletivo e conseguido bolsa de estudos para cursar biologia em uma universidade particular de São Carlos. Confessou que antes de entrar na faculdade jogava GTA o dia todo e que sofreu, como todos nós que estávamos ali o ouvindo, para passar em todas as matérias e só conseguiu com muito café e muito esforço. Mas aquele não era seu sonho, embora estivesse fazendo o melhor que podia. Seu sonho era cursar Medicina Veterinária e ele conseguiu: passou na Federal de Pernambuco e estava ali por que precisava de dinheiro para comprar a passagem para fazer a matrícula e voltar para ficar com o resto de sua família enquanto cursava Veterinária. Aquele menino com certeza passou por muito mais coisas que eu para conseguir o que queria. Ele aprendeu a dançar enquanto estava chovendo. Sei exatamente como ele se sentiu quando viu seu nome na lista. Sei exatamente como é a sensação de estar prestes a realizar um sonho. Aquela conquista parecia muito com a minha e aquele discurso trouxe um pouco mais de esperança ao meu coração. Ainda existe quem lute pelos sonhos. Ainda existem pessoas boas nesse mundo e eu tenho certeza de que conheci melhor várias delas esse ano...

Se a sua rabugisse não permite que essas histórias toquem alguma parte humana que ainda te reste, eu apenas lamento. "Quero trazer à memória o que me dá esperança", e aquilo que não traz, quero poder ter a força para mudar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário