quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Sobre amores líquidos, sólidos e gasosos

A percepção de que qualquer coisa material subsiste em forma líquida, sólida ou gasosa é universal. Fazendo um paralelo com algo nada material, um sentimento, é possível dizer que existem vários estados de um amor ou daquilo que insistimos em rotular como amor, mas que na verdade é outra coisa.

São raros os amores que já começam líquidos. Esse é o único estado que nos permite permanecer no amor. Estável, moldável a qualquer situação. Fluido. Natural. Na forma líquida é possível que haja força para destruir barreiras mas também calmaria para mergulhar. Líquidos são os amores avassaladores e que trazem paz, tudo de uma só vez. É um estado de contemplação, aquele sentimento de pequenez diante da imensidão de água do mar quando a avistamos pela primeira vez. É sentir-se muito pequeno por nutrir algo tão grande. É o amor que dói, que aconchega, que inunda. É certo que tem vários níveis de intensidade. Uma vez que seja rio, segue movendo-se durante o curso da vida, como o que sentimos pelos amigos que caminham acompanhando os leitos por onde passaremos. Quando deságua, pode virar oceano e imensidão ou pode parar, sendo lagoa. Bom mesmo é quando um amor líquido continua em movimento, criando caminhos por planícies desconhecidas. Bom também quando amadurece e cansa de correr, acomodando-se em um confortável lago ou desaguando em um oceano impetuoso e diferente de tudo o que encontrou em seu percurso. Acredito que esse é o amor mais bonito e mais aproveitável entre as três outras formas: é aquele que sempre se renova, que pode ser tratado e tornar-se límpido.

Seguindo o pensamento fora da caixinha aqui, o amor sólido como descreverei não traz benefícios aos envolvidos. Ele é uma fachada falsa, um sepulcro caiado. Pense em uma caixa. Tranque-se dentro dela. Jogue a chave do cadeado fora: eis aí seu meu amor sólido. É extremamente resistente a mudanças, sufoca, traça linhas que limitam sua zona de conforto e nunca permitirá que você saia dela. É uma armadilha muito bem executada que muitos chamam de amor. Não se engane: essa caixinha nunca será amor. Não se engane: você não será trancafiado de uma vez só. Vai ser aos poucos. Uma roupa, um comentário, uma crítica sarcástica sobre suas melhores qualidades ou sobre seus piores defeitos. O ar seguirá faltando em várias ocasiões, nunca de uma maneira agradável. Os carinhos e pedidos de desculpa não deixarão que você perceba o quão danosa pode ser essa prisão. O seu sucesso acabará se tornando um fardo enquanto seu espaço para crescer estiver limitado por um "amor sólido". Isso não é amor, minha cara. Isso é abuso. Saia da caixinha imediatamente. Peça ajuda. Seja sua própria história de superação.

Continuando o drama, quero dizer que os amores gasosos são os mais complicados. Eles podem ser neblina ou oxigênio, tudo depende da composição química do ponto de vista. Quando neblina é inebriante no primeiro momento e enquanto você permanece de fora o cenário é encantador. Estando dentro, é assustador. Você nunca enxerga um palmo diante do nariz e começa a se sentir desesperado se perguntando quão imprudente pode ser por entrar numa cilada dessas. Felizmente, o clima esquenta e a neblina se dissipa em algum momento do dia, assim como alguns amores gasosos. No entanto, quando o amor é oxigênio estará lá, o dia todo, entrando em seu sistema de maneira sorrateira. Nunca passamos muito tempo do dia pensando no oxigênio que passa pelos sistemas que compõem nosso organismo, no entanto, algum tempinho estudante de exatas aqui, não sei quanto tempo leva sem ele e tudo para de funcionar como deveria. São amores suaves, que nos mantém vivos, renovam nossos sistemas e esperanças, além de fazerem um bem danado pra saúde.

Seja lá quais os estados de amores que nos forem permitidos viver, é fato que passaremos por eles durante a vida. Resta saber qual será sólido o suficiente para acabar na próxima lixeira, qual fará com que nos tornemos pessoas confusas por um breve período de tempo, qual será confortável o suficiente para respirarmos diariamente e, por fim, qual será fluido e arrebatador para que nos mate a sede intrínseca de ser amado para sempre da melhor maneira.

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