segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Que Deus te dê o suficiente (e por que eu não tenho um carro)

Entre muitas idas e vindas, nas rodoviárias da vida, tenho aprendido a duras penas a ser menos desesperada. É possível comprar passagem na véspera, mudar a agenda da semana na quarta feira e pasmem: organizar uma mudança em apenas dois dias.
É possível também parar pra admirar uma livraria no meio da rodoviária de Campinas enquanto o próximo ônibus não sai. Numa dessas situações, hoje, mãe e filha me fizeram sentir um turbilhão de emoções quando numa conversa casual o tema vestibular surgiu. Foi incrível poder dizer "não se preocupa, eu consegui, é possível!".  Um sorriso de alívio preencheu os rostos e pude me lembrar de todas as aflições e pensamentos acelerados que me traziam tanto sofrimento. Lembrei também, extremamente grata, de toda a jornada da faculdade e do meu amadurecimento pessoal e profissional nesse período.
Enquanto chegava em Campinas, seguindo nesse pensamento de desaceleração, respondi a mim mesma mais uma vez que não, eu não preciso ter um carro. Por mais que o modelo ideal do sucesso quando se começa a trabalhar seja fazer uma divida vitalícia (carro só é investimento quando se é motorista de aplicativo), prefiro a simplicidade e a minha liberdade em relação aos gastos e ao comprometimento que um carro significa. Não tenho problemas em me comprometer, mas faço muitíssimas considerações antes que me comprometa. Assim também com um carro. 90% das pessoas que passavam pela pista estavam sozinhas no carro, gerando trânsito e poluindo cada vez mais. Existem exceções, mas quando todos acham que são exceção a tragédia está anunciada. Eu não sou exceção. Eu posso muito bem encarar uma rodoviária, um motorista de aplicativo meio perdido e não vou morrer por isso. Eu posso desacelerar.
A história toda do carro se conecta perfeitamente com o fim da história da mãe e filha na livraria. A mãe se despediu desejando que "Deus te dê o suficiente" e esse é um dos desejos mais lindos que poderia receber. O suficiente hoje é um chuveiro pra tomar banho e uma cama pra dormir. O suficiente é um conteiner com um galão de isotônico no meio do sol e da terra da obra. O suficiente é poder se sentir livre pra escolher seus próprios ideais de sucesso. O suficiente são aquelas músicas antigas, tocadas num acústico com violão no domingo a noite no culto e que te lembram da menina que sonhava mudar o mundo. Mal sabia ela que o mundo inteiro se muda num ritmo lento e constante, mas sem fim. Continue mudando, continue aprendendo, se desafiando e se libertando das ideias que não fazem sentido. A vida é muito mais do que os ideais de sucesso dos seus pais, tios e avós. A vida é o que acontece enquanto Deus te dá o que é suficiente.

Obs: não se sinta mal se o sonho da sua vida sempre foi ter um carro. Mas se sinta mal por perseguir os ideais de sucesso dos outros, sem saber qual é o seu.

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