quarta-feira, 24 de junho de 2020

Encontre seus lugares

Um exercício dolorido, cansativo e difícil que tenho feito diariamente nesse período de isolamento é questionar meu lugar. Preciso parar de olhar para o mundo e olhar pra dentro, e só depois posso fazer a diferença aqui fora.

É certo que já estive em lugares dos quais eu não pertencia. Já visitei eventos em que me sentia um peixe fora da água. Já cozinhei minha experiência em águas mornas, sem perceber que aos poucos ela fervia e ia me matando.

Às vezes você vai fazer de tudo pra pertencer, igual adolescente. Ri das piadas que não tem graça, concorda em silêncio com atitudes que detesta. Se omite. Trai seus valores e princípios e, de repente, trabalha 12 ou 14 horas por dia por um ideal que nem é seu, é emprestado. Mas você quer pertencer, quer ser coroado também. Sinto dizer, mas em terras onde só o rei dita as regras, o plebeu nunca vai receber a coroa. De tanto se esforçar, o cansaço vem. O objetivo fica vazio, a água começa a ferver. Enxaquecas. Crises de ansiedade. Depressão. Fuga da realidade de qualquer maneira que seja possível. Os meus lugares não são desespero - são refúgios para onde sempre posso voltar.

A primeira vez em que encontrei um dos meus lugares foi aos pés de uma cruz. Não aquela cruz da opressão - a minha era um símbolo de amor. Eu fui tão acolhida por aquela cruz que, todos os dias quando a imagem daquele Amor é distorcida, transformada em ódio ou em piada, eu me entristeço. A cruz do ódio nunca foi o meu lugar. A cruz do amor é pra onde sempre vou voltar. Foi a cruz do Amor que mostrou meu pertencimento e meu primeiro propósito: SERVIR.

Alguns anos depois, encontrei outro lugar em um projeto enorme, cheio de universitários que cumpriam o propósito que eu já conhecia. Era ali, descobrindo que sozinho é muito mais difícil, que os meus braços conseguem carregar 20 quilos de arroz, mas jamais conseguiriam carregar 20 toneladas de uma vez só. Esse lugar permanece na memória, nas redes sociais e continua ficando cada vez maior e mais ousado. Cada vez mais me traz orgulho e otimismo.

Como o primeiro lugar, me fiz parte de um lugar chamado amor - mas esse era diferente. Eram vários lugares em um. Na forma de um apartamento, de reuniões, de panquecas e de um rapaz tão especial que foi ficando, ficando e me aninhou. O amor me acolheu em amizades sinceras, em uma família tão divertida e diferente da que nasci! Eu não precisei fingir, nem me camuflar, nem me endividar para estar ali: o amor sempre tinha uma comidinha quente no fogão e uma coberta pra me proteger do frio, mesmo que eu estivesse irritada, nervosa, triste ou cansada. Hoje, o amor é o meu lugar preferido. Nele descanso, me reinvento, choro, grito e me aconchego. O amor me deu forças pra aprender meu segundo propósito: MELHORAR.

Ainda busco meu lugar numa jornada profissional. Essa sim tem sido meu maior desafio. Os lugares onde passei e tentava me encaixar sabiam que eu não era suficiente. Por consequência, eu me dizia isso todos os dias também. Será mesmo que é apenas uma assinatura que diz o que eu sou capaz de fazer? Será mesmo que pra me sustentar eu tenho que trabalhar todos os dias me sentindo uma sabotadora profissional? Minha jornada tem escolhas, e sou privilegiada por isso. Minhas entrevistas de emprego são completamente honestas, não vou mentir e dizer que tenho experiência em vendas. Não vou mentir e dizer que meu francês é fluente. Não vou mentir que a minha agenda está cheia pra gerar no outro um sentimento de urgência - os meus primeiros lugares não me permitem mentir. Em tantos lugares tentei pertencer... em tantos outros saí frustrada, desiludida, nervosa. Aprendi meus propósitos de melhorar e de servir TÊM de pertencer a esse novo lugar, caso contrário, eu estou caindo fora.

Felizmente, meu propósito no amor, o de MELHORAR, tem me colocado pra dormir todas as noites agradecida. Infelizmente, tenho falhado miseravelmente no meu propósito de SERVIR, quando penso no mundo lá fora, por isso esse exercício de encontrar meus lugares se torna tão dolorido nesse momento histórico em que estou vivendo. Encontrar meu lugar nesse mundo novo, diferente, ainda é o maior desafio da minha vida até aqui. Ainda bem que eu estudei meus mapas.

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